STF mantém intocada prerrogativa de requisição dos defensores públicos
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Brasília (DF) – Na última sexta-feira (18), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para manter a prerrogativa das Defensorias Públicas de requisitar de agentes e órgãos públicos documentos, informações, exames, esclarecimentos e outras providências necessárias ao exercício de suas atribuições, como previsto no art. 128, X, da Lei Complementar 80/1994. Iniciado no dia 11, o julgamento no plenário virtual contabilizou dez votos a favor da constitucionalidade da prerrogativa conferida aos defensores públicos, decidindo a ADI 6852 pela improcedência da pretensão da Procuradoria-Geral da República.
No ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs no STF 22 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra dispositivos de leis estaduais que organizam a Defensoria Pública. Na ADI 6852, protocolada em 20 de maio e sob relatoria do ministro Edson Fachin, Aras questionava a Lei Complementar Federal 80/1994, que organiza as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios e confere aos defensores públicos o poder de requisitar de autoridades e agentes públicos certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências. O argumento seria de que o poder de requisição das Defensorias Públicas criaria um desequilíbrio, já que advogados privados, em geral, não detêm o mesmo poder.
No entanto, prevaleceu o entendimento de que a requisição é imprescindível para que a instituição cumpra a missão que lhe é constitucionalmente conferida, tratando-se, ao contrário do pretendido pela PGR, de instrumento que assegura isonomia à população vulnerável quando acessa a Justiça assistida pela Defensoria.
Caso as ADIs fossem julgadas procedentes pelo STF, os defensores públicos seriam obrigados a ajuizar ações apenas para solicitar documentos, o que tornaria os processos mais lentos e sobrecarregaria ainda mais o sistema de Justiça, em claro prejuízo a toda a população brasileira.
A maioria foi formada com os votos dos ministros Edson Fachin (relator da ADI 6852), Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, André Mendonça, Ricardo Lewandowski, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux.
“Reconhecer a atuação da Defensoria Pública como um direito que corrobora para o exercício de direitos é reconhecer sua importância para um sistema constitucional democrático em que todas as pessoas, principalmente aquelas que se encontram à margem da sociedade, possam usufruir do catálogo de direitos e liberdades previsto na Constituição Federal”, escreveu Edson Fachin. O ministro também não viu quebra de isonomia, pois, na sua visão, os defensores públicos estariam mais próximos de promotores e procuradores – que dispõem de tal prerrogativa – do que de advogados.
Para o ministro Alexandre de Moraes, “negar à Defensoria Pública o poder requisitório teria o efeito negativo de esvaziar a capacidade instrutória e de resolução extrajudicial de conflitos, criando grave e inconstitucional obstáculo ao cumprimento efetivo de seu papel constitucional, diminuindo a efetividade de sua atuação em defesa dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, e com particular ênfase dos mais necessitados, tendo por resultado o engessamento do exercício de suas funções constitucionais expressas, em contrariedade ao próprio fortalecimento histórico da Instituição”.
Moraes também afirmou que os advogados públicos e privados teriam a seu alcance recursos financeiros, estruturais e até mesmo logísticos para solicitar documentos e outros elementos probatórios de agentes e órgãos públicos, em contraponto às limitações orçamentárias e à imensa sobrecarga da Defensoria Pública.
“Na realidade, longe de desrespeitar o postulado da isonomia, o poder requisitório da Defensoria Pública acaba por conferir maior concretude a esse princípio, pois viabiliza o acesso de pessoas carentes a documentos e informações que, sem o apoio e assistência da Instituição, não teriam tido condições financeiras ou mesmo conhecimento para sua obtenção, garantindo seus direitos e seu efetivo acesso à justiça”, votou Moraes.
O ministro Gilmar Mendes, relator das ADIs 6865, 6870, 6871, 6872, 6873 e 6875, retirou o voto que já havia proferido e apresentou novo entendimento sobre a prerrogativa de requisição da Defensoria Pública, afirmando que a instituição pode requisitar informações e documentos de órgãos públicos sem interferência no equilíbrio processual. “É claro que não se pode limitar a Defensoria pública, nos atuais moldes, a um mero conjunto de defensores dativos. Tal se consubstancia em visão ultrapassada, que ignora a interpretação sistemática a ser feita. A topografia constitucional atual, ademais, não deixa margem a dúvidas de que são funções essenciais à Justiça, em categorias apartadas, mas complementares: Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública.”
A única divergência foi da ministra Cármen Lúcia, que defendeu a manutenção da prerrogativa apenas nos casos de tutela coletiva. “Atuando a Defensoria Pública em processos coletivos, é compatível com a Constituição da República o poder requisitório conferido pelas normas questionadas na presente ação direta, por haver, então, critério objetivo e razoável de discrímen. Não penso seja o mesmo em relação aos casos comuns, de lides ou conflitos individualizados e sem distinção em relação a todos os casos dos quais cuidam os advogados brasileiros”, afirmou em seu voto.
Vitória e mobilização históricas
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) participou ativamente e como uma das protagonistas em todos os momentos da mobilização para a manutenção do poder de requisição, que contou com sustentação oral pelo Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS), artigos e notas que antecederam e sucederam o ápice do movimento, além de vídeos de personalidades das mais diversas áreas, obtidos pelo esforço coordenado de vários defensores.
“Essa vitória demonstra a força da Defensoria e seu poder de engajamento. Destaco também a atuação do GAETS e o apoio de juristas, do Grupo Prerrogativas e de personalidades de destaque nas mais diversas áreas, todos unidos em torno da Defensoria Pública no combate às desigualdades deste país”, destacou o defensor público gaúcho e membro do GAETS, Rafael Raphaelli.
“Antes de mais nada, trata-se de uma vitória que presentifica o Brasil daquele futuro projetado pela Constituição. A vitória de um ideal civilizatório que tem por pressuposto o amplo acesso à Justiça e a redução das desigualdades sociais, objetivos a que a Defensoria serve com afinco, até o fim”, reforçou o defensor público do RS, também membro do Grupo, Domingos Barroso da Costa.
Segundo o defensor público de Rondônia e presidente do Conselho Nacional das Corregedorias Gerais das Defensorias dos Estados, Distrito Federal e União, Marcus Edson de Lima, a união nacional entre os membros da instituição foi essencial para essa vitória. “O apoio de membros de outras instituições a nossa causa, como a advocacia, através de matérias e vídeos, mostrou o quanto o poder de requisição é essencial e em nada desequilibra a relação processual. Uma Defensoria Pública forte significa cidadania à população mais vulnerável.”
“O julgamento da ADI 6852, rejeitada pelo STF por dez votos a um, revela o quanto é relevante ter uma inteligência em nossa atuação, para que possamos ocupar os espaços de debate estratégicos em prol da consolidação da Defensoria Pública! Certamente saímos desse julgamento institucionalmente melhor do que entramos! A nossa atuação articulada foi preponderante para esse grande resultado! A Defensoria Pública seria despersonalizada sem o poder de requisição!”, comemorou o membro fundador do GAETS, Fernando Calmon.
“O STF, com essa decisão, transcende na luta pelo acesso à Justiça. Ela deu voz aos movimentos sociais, às ouvidorias externas e lideranças marcantes nesse processo de deliberação constitucional. A Constituição vive!”, celebrou o defensor público no Rio de Janeiro e membro do GAETS, Pedro Carriello.
Artigos e notas que antecederam a mobilização
• Ainda menos voz aos silenciados
• Nota sobre o julgamento da ADI 6852 pelo STF – Defensoria Pública