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“Ela é o nosso recomeço”, afirma pai que recuperou a filha, acolhida em um abrigo, com o auxílio da DPE/RS

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pai segura bebê no colo, que toca na barba dele
“Ela é o nosso recomeço”, afirma pai que recuperou a filha, acolhida em um abrigo, com o auxílio da Defensoria Pública - Foto: Camila Schäfer - Ascom DPE/RS
Por Camila Schäfer – Ascom DPE/RS

Porto Alegre (RS) – Depois de passar seis meses longe da filha, visitando-a apenas semanalmente, Jorge Adriano Varela da Silva, 39 anos, e Josiane dos Santos Conceição, 27 anos, conseguiram, na última quarta-feira (28), o direito de levar a criança para casa. Desde seu nascimento, ela estava em uma instituição de acolhimento. Com o auxílio da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) e da rede de assistência social e de saúde do município, o casal deixou a situação de rua e drogadição em que vivia e agora pode criar a bebê no conforto de um lar.

Com a casa já arrumada, o berço montado e o sentimento de ansiedade natural da ocasião, Jorge e Josiane aguardavam a chegada da assistente social Juliana Borges Rahde na tarde de quarta-feira. Ela estava a caminho da residência do casal, com a bebê e seus pertences. No entanto, para chegar a este dia, os assistidos da Defensoria passaram por um longo caminho de desafios.

Morando juntos na rua há um ano e meio, Jorge e Josiane planejaram ter um filho. Sabiam que a criança seria tirada deles assim que ela nascesse e que precisariam passar por avaliações e deixar as ruas e as drogas. E foi assim que aconteceu. Quando a bebê nasceu, no dia 1º de março deste ano, o Serviço Social do hospital verificou que havia risco para a criança ficar na companhia dos genitores, e então notificou o Juizado da Infância e Juventude, como de praxe. No dia 15 de março, foi realizada uma audiência de acolhimento emergencial, momento em que o juiz decidiria se a criança ficaria com os pais, seria entregue para a família extensa (outros familiares, como avós, tios, etc.), ou se a bebê recém-nascida iria para um abrigo. No caso de Jorge e Josiane, foi decidido que a criança seria abrigada. O Ministério Público então ajuizou uma ação de destituição do poder familiar (hipótese em que os pais podem perder o poder sobre a criança e, consequentemente, ela é colocada em uma família substituta, na modalidade de adoção). “Já no hospital, essa família teve os laços rompidos. A Defensoria Pública participou da primeira audiência, e orientou como os pais deveriam proceder, onde poderiam buscar ajuda. Apenas quatro meses após o acolhimento, na audiência de instrução da destituição do poder familiar, foi deferido o retorno da criança para os pais, na forma de experiência familiar, por 60 dias. A situação é surpreendente pela volta por cima que o casal deu, com o apoio da rede. A grande maioria dos casos não tem este desfecho positivo tão rápido”, conta, emocionada, a defensora pública Larissa Rocha Ferreira Caon.

Segundo ela, as equipes técnicas do abrigo, do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) foram testemunhas na audiência de instrução e constataram que o casal está recuperado. Caso a experiência de 60 dias seja positiva, o processo de destituição será arquivado definitivamente. “Os pais tiveram muita força de vontade. Acompanhei o momento em que eles foram separados da bebê. Eles choravam muito. A vontade de ficar com a criança é muito genuína e se percebeu isso na audiência, que foi emocionante. É uma família que a gente salva”, relata Larissa.

Orgulhoso da vitória que conquistaram, Jorge diz que está em outro momento, que quer assumir responsabilidades, cuidar da família e auxiliar outras pessoas na mesma situação. “Sempre vivemos à margem da sociedade. Quem mora na rua é invisível para os outros. Eu quero que conheçam a minha história, porque tenho vários irmãos de rua que podem estar na mesma situação, de ter uma criança e não poder estar com ela. A vitória ainda não está completa, foi apenas um passo, mas para quem estava desacreditado, já é um grande passo”, comemora. “Morar na rua foi muito difícil, devido às drogas e aí já vem a prostituição e entra tudo em jogo. Hoje eu estou muito feliz pela pessoa que eu sou e agradeço muito o meu marido por ter me dado muito apoio”, completa Josiane.

O casal segue fazendo o acompanhamento no Creas, Caps AD e posto de saúde e, durante a experiência de 60 dias, a assistente social do abrigo, Juliana Borges Rahde, fará visitas quinzenais e relatórios mensais para comprovar se o casal segue com condições de criar a filha. “No Serviço Social as coisas são complexas e essa história daria um Trabalho de Conclusão de Curso! No início, imaginamos que não daria certo, mas eles sempre demostraram o vínculo com a rede e o desejo de ficar com a filha. Sempre foram muito adequados nas visitas e dividem as tarefas de cuidados com a bebê. O único empecilho, no momento, é que Jorge não está empregado, mas nós acreditamos na capacidade deles de vencer mais esse desafio”, esclarece.

De acordo com Jorge, nunca passou pela cabeça do casal abandonar a bebê. “Por mais que a gente estivesse na rua e na drogadição, somos humanos como qualquer um e a gente queria o melhor pra nossa filha. Então quando fomos orientados a procurar a rede, a gente já estava com o psicológico preparado. Eu nunca tive responsabilidade na vida, responsabilidade verdadeira. Falava com Deus e perguntava ‘será que minha vida vai ser isso mesmo?’ e aí Deus mandou minha filha. Ela é o nosso recomeço. Hoje eu sei que se eu quiser algo, eu tenho capacidade. A gente quer fazer tudo diferente do que já foi feito. Por isso que toda vez que a gente teve que sair de casa pra ir no Caps, no Creas ou em outro lugar, não era reclamando, era com um sorriso no rosto. A gente se abraçava, se beijava e dizia ‘é pela nossa filha’. A gente sabe que conquistou essa vitória porque mereceu. Foi nossa força de vontade e o amor que a gente sente pela nossa filha.” Pai de outros dez filhos, Jorge agora mora no bairro Santa Tereza, onde poderá retomar a convivência com alguns deles.

Conforme Larissa, a Defensoria Pública tem a função de dar orientação, dizer onde procurar ajuda e fazer uma defesa efetiva no processo judicial. “Essa era uma situação de extrema vulnerabilidade, mas o Jorge e a Josiane seguiram corretamente todos os passos que indiquei. Agora é torcer para que a experiência seja positiva e essa família retome seus laços e siga em frente”, elucida.

Jorge e Josiane saíram da situação de rua e sobrevivem com a ajuda que recebem do Creas (vale-transporte e alimentação), da aposentadoria da mãe de Jorge (cerca de R$ 700) e de um benefício eventual (R$ 400), que vão receber durante quatro meses, para as despesas com a bebê. “A gente tem que sentir orgulho de nós mesmos, porque a perspectiva era totalmente negativa. A gente sabia que teria que fazer por merecer. Os elogios e incentivos que recebemos de quem nos atendeu nos ajudaram muito, porque quando você é morador de rua, ninguém vai te dar um elogio. Por mais que você ajude e seja gentil, o olhar pra você vai ser sempre de desconfiança. Claro que o nosso propósito nunca foi ouvir elogio, foi construir nossa família, mas aquilo ajudou. O que eu espero agora é conseguir um trabalho, arrumar meus dentes, cuidar da minha mãe e da minha família.”

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