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Após mais de 3 anos preso, réu defendido pela DPE/RS é inocentado em júri na Fronteira

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Júri popular decidiu pela absolvição do assistido
Júri popular decidiu pela absolvição do assistido - Foto: Francielle Caetano - ASCOM DPE/RS
Por Francielle Caetano - ASCOM DPE/RS

Sant’Ana do Livramento (RS) – Em uma sessão de júri no último dia 26, a Defensoria Pública do RS garantiu que um assistido fosse absolvido da acusação de homicídio, por negativa de autoria. O homem ficou preso preventivamente por 3 anos e 4 meses, mesmo após diversos pedidos de liberdade feitos pelo defensor público Carlos Marcondes Junior, que atua em Sant’Ana do Livramento.

Na madrugada de 11 de fevereiro de 2020, um homem foi assassinado em via pública, após uma aparente briga. As testemunhas, nenhuma delas tendo presenciado de fato o ocorrido, afirmaram que viram um homem jovem, de estatura mediana e cabelos castanho claros correndo nas proximidades do local do crime. Na filmagem de uma câmera de segurança, não era possível identificar exatamente quem acompanhava a vítima, pois as imagens estavam escuras

No dia 12, depois de ter comemorado o aniversário junto com familiares e amigos, João* foi preso em casa, acusado do homicídio da véspera, com base na identificação feita por testemunhas. No reconhecimento, os suspeitos que foram apresentados pela polícia às testemunhas tinham características completamente diferentes do assistido: ambos com mais de 50 anos, sendo um deles negro.

Desde o início, o réu negou a autoria do fato. Segundo ele, na noite anterior, após terminado o churrasco em que celebrou a sua data, foi levar um dos irmãos até a casa da mãe, sendo atacado com uma pedra durante o percurso. Com isso, acabou machucando a parte superior de um dos lados da sobrancelha, perdendo bastante sangue e sujando a roupa que usava.

Quando João foi preso, os policiais levaram junto a camiseta, a bermuda e o tênis que estava utilizando para que fossem encaminhados à perícia. A arma do crime não foi localizada.


Perícia realizada após 1 ano e 7 meses do crime

Nesse período, por mais de uma vez o defensor público fez pedido de revogação da prisão preventiva. Ele afirmava que o atraso processual não poderia recair sobre a pessoa denunciada ou sobre a defesa técnica, mencionando a demora sem justificativa no envio dos laudos periciais, documentos imprescindíveis à instrução processual.

A audiência de instrução para ouvir as testemunhas foi realizada em novembro de 2020, mesmo sem ter ocorrido o encerramento da instrução processual, ou seja, nem todas as atividades de coleta e verificação haviam sido realizadas. Além disso, o Ministério Público acabou desistindo da oitiva do homem que seria a principal testemunha do fato, por ele não ter aceitado a intimação judicial para ir depor. Ele seria a pessoa apontada com quem o assistido teria desavença pretérita.

Em depoimento, tanto o réu quanto testemunhas afirmaram que a vítima sofria por drogadição, e vinha sendo perseguida por um outro usuário de droga, armado com faca. Um amigo da vítima, que depôs ao longo do processo, inclusive forneceu detalhes que permitiriam a identificação dessa pessoa, que acabou nunca sendo investigada.

A entrega do resultado da perícia nas roupas coletadas tanto do assistido quanto da vítima aconteceu apenas em setembro de 2021. Não foi encontrado, nas vestes da vítima, qualquer indício de sangue do réu. Já nas roupas de João, verificou-se que o sangue encontrado era do próprio assistido. Apenas em um pequeno pedaço de cadarço é que foi detectado material genético compatível com a vítima; contudo, esse fragmento poderia ter sido contaminado durante o tempo em que as roupas foram coletadas e a realização do exame de DNA, muitos meses depois – tese que foi sustentada pela Defensoria Pública.

Ao afirmar isso, em uma das peças do processo, o defensor apontou que houve quebra na chamada “cadeia de custódia”, o que significa que a coleta e entrega dessas provas não aconteceu da forma devida. Carlos destacou que as pessoas que coletaram as roupas não eram peritos oficiais, além de não ter havido isolamento adequado dessas peças de roupa e nem garantia de rastreabilidade de todo o percurso transcorrido até a realização do exame. Assim, diante da ausência de custódia adequada das provas, não teria possibilidade de interpretar o exame do laudo em desfavor do assistido.

“A única etapa da perícia que foi regularmente realizada foi o processamento da prova pelo laboratório do IGP, muitos meses depois de colhida. Mesmo que se saiba dos esforços empreendidos pela polícia para se apurar adequadamente os crimes, é importante que se garanta o correto isolamento dos vestígios e a preservação da higidez dos materiais coletados, para se ter certeza, depois, que essas provas não se contaminaram, entrando em contato com outros materiais. Assim, mesmo não se negando o resultado do exame de DNA, foi possível demonstrar aos jurados a importância de se seguirem procedimentos básicos, previstos na lei, que outorgam confiabilidade à prova colhida”, disse o defensor.

Na sessão do júri, que aconteceu na última segunda-feira, o defensor Carlos ressaltou não haver provas suficientes que comprovassem a culpa do assistido pelo crime. A defesa lembrou aos jurados, além dos fatos já trazidos anteriormente, que desafetos da vítima sequer depuseram ou foram investigados, apresentando também em plenário a má qualidade das imagens das câmeras de segurança, com base nas quais também não foi possível esclarecer a verdadeira autoria do crime.

O júri popular então decidiu pela absolvição do assistido. No mesmo dia, foi expedido o alvará de soltura.


* Nome alterado para não identificação do assistido.

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