Luta contra o racismo foi a marca do Seminário “Direitos Humanos e o Combate ao Racismo” promovido pela Defensoria Pública
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Porto Alegre (RS) – Cerca de 100 pessoas, entre defensores e servidores públicos, reuniram-se no dia 8 de novembro, no auditório do Procon, para prestigiar o seminário “Direitos Humanos e o Combate ao Racismo”, promovido pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nuddh) da Defensoria Pública. O tema foi alusivo ao mês da consciência negra, no qual no dia 20 de novembro se comemora a data. O evento teve como objetivos disponibilizar subsídios teóricos para o debate institucional sobre a temática racial, impulsionar a Defensoria na implementação de ações institucionais que incentivem o enfrentamento ao racismo institucional, sensibilizar membros, servidores e estagiários ao diagnóstico e ao enfrentamento do racismo no âmbito interno e externo, interagindo com os movimentos de luta pela igualdade racial, e realizar campanhas informativas para a igualdade racial.
A mesa de abertura foi composta pela subdefensora pública-geral para assuntos institucionais, Liseane Hartmann, pelo subdefensor público-geral para assuntos administrativos, Antonio Flávio de Oliveira, pelo defensor público dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nuddh) e coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), Andrey Régis de Melo, pelo ouvidor-geral da Defensoria, Daniel Vargas de Farias, e pelo secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, deputado Catarina Paladini.
“A Defensoria, sendo uma instituição que tem como missão constitucional a defesa de pessoas hipossuficientes, e aí está incluso as pessoas negras, não poderia deixar de fazer um evento e de trazer à tona esse assunto tão importante que diz respeito as nossas funções institucionais no mês da consciência negra”, falou Liseane. “Este é mais um momento de reflexão, de diálogo e de consenso de nossa função individual e coletiva. A Defensoria tem uma função importante e deve exercer seu protagonismo no afastamento das desigualdades. Não seremos completamente seres humanos enquanto não afastarmos o racismo de nossas vidas”, ressaltou Antonio Flávio de Oliveira. “Essa capacitação é um ato histórico na Defensoria Pública em razão da ampla mobilização e do apoio da Administração Superior. É a primeira vez que temos um evento em que a temática do racismo é debatida no ambiento interno, tema tão importante nessa caminhada histórica da sociedade brasileira. O Nuddh se propõe a mobilizar a Defensoria para o enfrentamento ao racismo, bem como a contribuir para a promoção de direitos e na defesa judicial e extrajudicial de indivíduos e grupos sociais em situação de vulnerabilidade em relação a sua raça, cor ou etnia, ou procedência nacional”, completou Andrey. Catarina Paladini parabenizou a Defensoria pelo debate. “Debate que, por incrível que pareça, no século XXI, não está vencido. Temos grandes referências e instrumentos que tem cumprido papel de vanguarda: a Defensoria, a Secretaria, mas o ambiente político do nosso país nos coloca em um espaço de anestesia cotidiana. É fundamental que nós tenhamos essa consciência de não deixar cessar esse debate, pois precisamos avançar muito, a passos largos, na perspectiva de garantias. E mais do que isso, restabelecer novas conquistas. Fica aqui o nosso reconhecimento”, frisou.
A emoção e as experiências de preconceito e racismo, as formas de como lidar e a luta pela igualdade marcaram o primeiro painel do seminário. Intitulado “Além do apito final: o racismo dentro e fora do estádio” contou com a participação do ex-árbitro e atual comentarista de arbitragem, Márcio Chagas da Silva, e do diretor-executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, por meio da coordenação de mesa do defensor público assessor do gabinete, Rogério Souza Couto.
Carvalho falou sobre o Observatório, que nasceu para monitorar e divulgar os casos de racismo que acontecem no futebol brasileiro. “Nasceu em 2014, logo após os casos de racismo que aconteceram naquele ano, com o Márcio Chagas, Tinga e Arouca, ano de Copa do Mundo no Brasil e o Brasil vendia para fora o mito da democracia racial e utilizava o futebol como o grande exemplo disso. O projeto se desenvolveu a partir da minha inquietação de tentar entender a quantidade de casos de racismo no futebol brasileiro, o que acontece com cada caso e analisar como o futebol trabalha essa questão racial. Em 2014, monitoramos 20 casos de racismo. Em 2015, lançamos o relatório anual da discriminação racial no futebol, documento que fala sobre os casos de racismo e os desdobramentos, porque é muito necessário mostrar para a sociedade que são frequentes os casos de racismo e como é a punição desses casos, o que a justiça faz com esses casos. Em 2016, monitoramos 25 casos; em 2017, 43 casos, em 2018, 44 casos; e em 2019, até o momento, são 39 casos no racismo no futebol brasileiro, sendo 13 no RS. Neste ano estamos conseguindo um avanço. Fizemos a ação ‘Chega de preconceito’ em quatro jogos. Estou aqui convidando vocês a conhecerem o trabalho do Observatório, a interagirem, a criticarem, a sugerirem e a participaram. O trabalho é nosso, é de uma luta e de uma causa”, disse.
Na sequência, Márcio Chagas relatou diversas experiências de infância, da adolescência e da vida adulta as quais sofreu preconceito, discriminação e racismo, além da falta de apoio na vida profissional. “Com racista a gente tem que ser assim: a gente tem que denunciar. Eu enfrento isso desde a minha infância, não só no futebol. Depois de 2014 (episódio em que foi vítima de racismo após partida em que apitou), o último árbitro negro a apitar o campeonato gaúcho pela primeira divisão fui eu. Nenhum outro teve oportunidade”, pontuou. “Vivemos em um apartheid social, latente e muito visível. Temos lugares de negros, lugares de brancos, basta vermos os locais que frequentamos. Temos que pautar não como as pessoas que estão trabalhando como garçom, como manobristas, mas aquelas pessoas que frequentam os mesmos espaços de lazer, consumindo, e não vemos isso de forma igual em um país que se autodeclara 54% da população de negros, mestiços e pardos. Piadas e brincadeiras que comumente eu ouvi na minha infância, como ‘não vai fazer coisa de preto’, ficam naturalizadas. Racismo é muito doloroso e deve ser tratado como crime. Só quem sofre sabe o que é o racismo, o mal que ele causa na pessoa”, evidenciou.
O turno da tarde se iniciou com a mesa-redonda “Política de Cotas: história e efetivação”. A procuradora da Universidade Federal do Paraná, Dora Lúcia Bertúlio, apresentou fatos históricos sobre o país para que se entenda a origem do racismo. “Vivemos em uma cultura em que a qualidade e os valores das pessoas estão primeiramente ligados ao pertencimento racial. A naturalização do racismo também faz parte da nossa sociedade”, falou. Dora citou diversos teóricos e ativistas da luta contra o racismo, como Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul. “A desvalorização do indivíduo negro passa a ser inapta. Você nasce negro, em uma sociedade racista então você automaticamente está pré-destinado a ter espaços controlados, a sua mobilidade social vai ser restrita. Então, sabemos que, se você for branco, você tem maior chance de seus direitos de cidadania e dignidade serem respeitados e se você for negro, tem muito menor chance desses direitos serem respeitados”, afirmou.
Em seguida, a doutora em antropologia social, Laura Cecília Lopez, explanou seus conhecimentos e estudos de quando estava realizando doutorado. Laura acompanhou diversas organizações dos movimento negros e os desdobramentos nos diversos países em termos de políticas afirmativas e politicas étnico-raciais após a Conferência Mundial contra o Racismo da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na África do Sul, em 2001. “Foi muito intenso porque se criou um grupo de trabalho de ações afirmativas. Muitos docentes, a rede, mobilizaram-se para abarcar ações afirmativas em todas as dimensões”, lembrou.
A mesa-redonda se encerrou com a fala do assessor jurídico do Conselho Estadual do Povo de Terreiro do Rio Grande do Sul, Gleidson Renato Martins Dias. “Cota racial é uma política antirracista, isso tem que ser a base do nosso entendimento. Cota racial não é um problema dos negros. O problema é não ter negros em uma instituição. Não tenho dúvidas de que estamos caminhando para o combate ao racismo, mas as cotas raciais precisam ser vistas como uma política pública”, destacou.
A última atividade do seminário trouxe equipe composta por defensores e servidores da Defensoria Pública. A defensora pública assessora institucional e presidente da Comissão de Acessibilidade e Inclusão (Cpai) da Defensoria Pública, Melissa Torres Silveira, o técnico-administrativo Veyzon Campos Muniz, a psicóloga Letícia Souza Mello e o defensor público Andrey Régis de Mello foram as vozes da mesa-redonda “A Defensoria Pública e as ações afirmativas – desafios e possibilidades”.
Melissa e Letícia abordaram a implementação da Cpai na instituição. “No ano passado, realizamos o encontro com a temática LGBT; depois, lançamos a cartilha de acessibilidade e inclusão ‘Nada sobre Nós sem Nós’; e, agora, a terceira etapa é a criação do grupo de trabalho Igualdade. A Cpai começou com a tentativa de pensar em como podemos fazer a diferença na Defensoria, de fazer essa inclusão de dentro para fora. Quando se fala em políticas afirmativas não basta reservar vaga para ingresso. É importante dar continuidade nesse trabalho, permanecer diariamente e cotidianamente discutindo isso, trabalhando a inclusão dessas pessoas. A gente fala em trabalhar uma política antidiscriminação em todas as esferas”, apontou Melissa. Letícia complementou que a Cpai foi instituída por resolução em março de 2019 e teve sua origem na necessidade de produzir um olhar mais humanizado para demandas relacionadas às pessoas com deficiência e para inclusão. “A comissão tem caráter multidisciplinar e uma composição diversa, ou seja, há membros de vários setores da Defensoria e pessoas com os mais variados tipos de deficiência”, pontuou.
“A gente sempre tem que estar atento ao paradoxo de como vamos implantar uma luta anti-sistêmica, que é uma luta antirracista, sendo parte do sistema. As cotas raciais não são um favor que a gente tem que retribuir depois que passou no concurso todos os dias agradecendo. A gente não pode se vestir de uma instituição compromissada com a luta antirracista e bater nas costas e dizer: ‘que bom que tu estás aqui, servidor negro. Que bom que há cotas’. Em eventos como cerimônias, a segregação de pessoas pretas só nos mostra a necessidade de, nós enquanto instituição, fazermos da Defensoria um ambiente em que os direitos humanos sejam efetivados de modo real e não retórico, de dentro para fora. Um corpo negro, seja mulher ou homem, atendendo, empoderado, em qualquer um dos postos, de preferência em todos os postos, isso é que tem efeito transformador dentro da sociedade”, ressaltou Veyzon.
O Seminário “Direitos Humanos e o Combate ao Racismo” contou com o apoio da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública (Fesdep), da Associação das Defensoras e Defensores Públicos (Adpergs) e do Procon. A página do CRDH no Facebook e a página e o perfil no Instagram da Defensoria Pública realizam campanha de sensibilização com menções da cartilha. Um mutirão alusivo ao mês da consciência negra no próximo dia 20 de novembro, das 9h às 12h, no Largo Glênio Peres, também fazem parte da divulgação e das ações do mês de sensibilização pela causa. A galeria de fotos do evento pode ser acessada clicando aqui.