Defensoria garante absolvição à mulher que danificou porta de delegacia após ser presa indevidamente por discussão em ônibus
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Rio Grande (RS) – No sul do estado, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) conseguiu a absolvição de uma mulher que danificou a porta da cela de contenção da delegacia, após ser detida por discutir em um ônibus. O episódio ocorreu após ela ser tratada de maneira desproporcional – algemada e presa indevidamente. Em sua decisão, o juiz afirmou que quando uma pessoa é algemada, naturalmente se instabiliza emocionalmente, agindo impulsivamente.
Complementarmente, o magistrado ainda declarou: “logo, os atentados contra o patrimônio público eventualmente praticados no momento de sua contenção e cambiamento, sob algemas e violência estatal, não revelam, por si só, intenção ou vontade consciente e decidida ao vilipêndio patrimonial. Revelam simples desespero emocional e irresignação furtiva contra a ordem jurídica”.
O caso aconteceu em dezembro de 2018, na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Rio Grande. Na ocasião, a mulher foi contida após uma discussão no ônibus em que estava, porque, segundo ela, sua vontade era descer do coletivo e o cobrador não havia pego sua passagem. Disse que entrou em uma discussão e não sabe dizer ao certo o que aconteceu, mas que, quando percebeu, estava na delegacia. Por não aceitar a forma como foi abordada, a assistida da Defensoria ficou nervosa e chutou a porta da cela de contenção, danificando-a. De acordo com a defensora pública do caso, Thais Pastor de Amorim Siqueira, o dano teria custado R$ 300,00, valor que não chegou a ser confirmado, pois não houve anexação de nota fiscal ao processo.
A denúncia foi recebida em fevereiro de 2019 e o Ministério Público pediu a condenação da mulher. A defesa, por sua vez, solicitou a improcedência da ação, tanto pela ausência do elemento subjetivo do tipo, como pela atipicidade do fato. Mencionando o tema 157 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determina o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20 mil, o defensor público Felipe Frota Aguiar Pizarro Drummond, que também atuou no caso, argumentou pela atipicidade material da conduta. “O litígio sub judice poderia muito bem ser solucionado na seara cível por intermédio da composição civil do dano (...). Nessa esteira, resta evidente que o conflito de interesses objeto da presente ação jamais deveria ter adentrado na estrita esfera do Direito Penal. O caso dos autos é o retrato mais límpido do real sentido do princípio da insignificância”, afirmou.
Sobre a ausência de dolo, a defesa esclareceu que a acusada estava muito nervosa, que fazia uso de antidepressivo e que havia perdido seu irmão e marido no ano em que o fato ocorreu. “Portanto, a conduta da denunciada não passou de mera consequência da situação a que estava submetida, não tendo intenção de prejudicar ou causar dano ao bem estatal.”
A tese defensiva foi aceita pelo juiz do caso, que decidiu pela absolvição. “No caso concreto, uma placa de sinalização e onze metros de grade de ferro usadas, registre-se: usadas, resultaram danificadas, mas isto não compromete o patrimônio de ninguém. (...) Vale ressaltar, por fim, ser a acusada hipossuficiente, sem qualificação profissional e cultural. Pessoas, assim, desprotegidas de qualquer sorte, vítimas da cruel e desumana distribuição de renda do Brasil (CF 3º), devem ser julgadas por atos de hostilidade contra o Estado com certa relatividade, a ponto de não se legitimar o arbítrio ou obscurantismo medieval”, afirmou em sua decisão.