Com atuação da Defensoria Pública, transexual de 13 anos consegue retificar o nome e o sexo no registro civil
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Porto Alegre (RS) – Depois de aguardar por mais de um ano e passar por um longo processo de idas e vindas, N.A.C*, de 13 anos, finalmente conseguiu retificar seu nome e sexo no registro civil. Por meio da atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), o menino é o segundo adolescente transexual do Rio Grande do Sul a obter decisão favorável sobre a retificação do registro civil e o primeiro menor de 16 anos.
Desde a infância, N.A.C. entendia que lhe acontecia algo diferente; a mãe foi percebendo que a identidade de gênero do filho não condizia com o sexo biológico atribuído a ele no nascimento. Aos 11 anos, N.A.C começou a perceber-se como um menino. A puberdade e as mudanças que a fase envolve foram decisivas para que o jovem conversasse com a mãe e decidisse que, a partir dali, desejava ser tratado como indivíduo do sexo masculino e isso incluía a mudança do nome e sexo no registro civil. Em 2017, o adolescente confeccionou a Carteira de Nome Social e, no início de 2018, a família procurou a DPE/RS para solicitar a retificação do registro civil. “Mesmo com a carteirinha, cada vez que eu procurava atendimento médico, por exemplo, eu tinha que explicar a condição do meu filho. Eu não precisava daquilo. Foi a partir daí que buscamos a retificação, mas sabíamos que seria um processo longo. Foi bastante cansativo e, por vezes, exaustivo, porque eu era a única representante dele nessa ação. Tinha dias que eu chegava em um lugar achando que resolveria a questão... e nada. Havia muita desinformação”, conta a mãe.
O processo foi ajuizado tendo como destino a Vara da Infância e Juventude. No entanto, por ser uma ação nova para o Poder Judiciário e para a Defensoria Pública, o juiz declinou a competência e enviou para a Vara de Registros Públicos. Na DPE/RS, quem assumiu o caso foi a defensora pública Andreia Paz Rodrigues, também dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca), que contou com o auxílio da psicóloga da instituição Cristina Schwarz e da assistente social Thais Dalla Rosa. “Como era uma ação inédita, a equipe trabalhou previamente ao ajuizamento da ação. Nosso cuidado foi em traduzir a forma como o adolescente vive a sua identidade como um menino, que estava representada em diversos aspectos da sua vida. Também no parecer psicológico e no estudo social, a ideia foi explorar o entendimento sobre a subjetividade e a relação da pessoa trans com o meio social e com a cidadania, considerando sua condição peculiar de desenvolvimento. Afinal, a adolescência é um período de passagem, em que o sujeito amplia sua rede de apoio para além da família e busca em outros atores sociais – entre eles o Sistema de Justiça – o suporte para um aspecto muito importante da fase: o exercício da autonomia do pensamento e das decisões”, explica Cristina. De acordo com a psicóloga, o Sistema de Justiça, em vez de olhar para o adolescente como um ser sem capacidade civil, pôde vê-lo como um sujeito de direitos e a decisão judicial se baseia no argumento da autonomia na adolescência (embora também tenha feito menção a um conceito de transexualidade que já deveria estar superado, por remeter a uma lógica patologizante das identidades de gênero).
A decisão favorável saiu em março deste ano e, a partir da sentença, em junho, a mãe de N.A.C já conseguiu encaminhar os trâmites para efetivar a mudança na certidão e nos documentos de identidade do filho. No final do próximo ano o jovem se forma no Ensino Fundamental e seu diploma, bem como o histórico escolar, serão confeccionados com o nome que ele escolheu. “É a afirmação de quem ele é. E ainda que ele não precise disso, está documentado, mostra que ele é reconhecido e respeitado da maneira como ele se enxerga”, comemora a mãe. Segundo ela, apesar da vitória, ainda restam obstáculos. “A transfobia é algo muito forte na sociedade. Falta respeito e reconhecimento das pessoas, até mesmo em instituições de saúde. Independentemente do gênero ou da sexualidade, estamos falando de um ser humano. Espero que este caso sirva de modelo para a atuação nas instituições, que ainda desconhecem as questões de gênero e sexualidade, porque essa decisão favorável vai abrir precedentes para outras no futuro”, deseja.